domingo, 30 de janeiro de 2011

Ambos fora da realidade

Terminou neste fim de semana na Suíça o Fórum Econômico Mundial 2011. A visão leiga que se tem é a de um encontro de grandes pensadores da economia, governos, empresas e banqueiros. O Fórum é uma organização internacional independente existente desde 1971. Mas se reúne tantas cabeças e tem 40 anos então por que esse encontro anual não impede ou pelo menos ameniza as crises econômicas e financeiras do mundo?

Primeiro porque uma parte de pessoas sempre ganha dinheiro com a crise, bilhões mesmo. Segundo, o Fórum de Davos não é a Meca do neoliberalismo, dos especuladores, de uma classe que não tem nem nome, algo como os ‘supercapitalistas financeiros’ - é um mundo complexo e rápido demais ainda para ser debatido em um fórum de velhos ou diretamente interessado em que quase nada mude.

A crise de 2008 não nasceu de planos de governos ou da ação só de banqueiros, foi e ainda é um fenômeno principalmente especulativo. Governos e parte dos banqueiros podem sim ser chamados de omissos, por não tentarem regular esse novo mundo que está nascendo, e de incompetentes, porque não entenderam essa complexidade.

EUA, Irlanda, Islândia, Inglaterra, Alemanha, França, Grécia, praticamente todos os países ricos ou que financeirizam suas economias da noite para o dia aderiram ao sistema especulativo.  Passaram a gastar e tomar empréstimos à vontade, mas não para investir em áreas como pesquisa e desenvolvimento, mas principalmente em imóveis e consumo.

Parte dos bancos passou a crescer muito, faturar bilhões de dólares e euros, muito em razão da valorização irreal dos imóveis e por causa do crédito imobiliário. Mas toda essa montanha de dinheiro era virtual, transações financeiras no computador. A Irlanda chegou a ter um sistema financeiro que equivalia a oito vezes a riqueza real do país vinda da sua produção.

Ocorre que as pessoas se endividam na esperança de obter lucros futuros crescentes com a venda de produtos e serviços, como os imóveis. Quando as taxas de juros são muito baixas esta busca torna-se muito alta. Na crise, os bancos passaram a emprestar muito, muito mesmo, ou seja, várias operações de alavancagem. Crédito era dado até para desempregados ou pessoas com renda baixa, o pessoal chamado de subprime.

Com a especulação o preço dos imóveis bateu no céu, o que estimulou mais compras e novos empréstimos para pagar os antigos. Mas isso naufragou principalmente por dois motivos diretamente ligados. Se tanta gente toma empréstimos sem nem ter garantias é evidente que o risco de inadimplência é muito alto. Os governos para conter a inflação são forçados a periodicamente subirem os juros. Quando isso ocorreu primeiro nos EUA milhões de pessoas passaram a não ter condições de pagar suas dívidas.

E o outro fator que fez as diversas bolhas pelo mundo explodirem foram os chamados derivativos de balcão. Para o homem comum essa invenção financeira deve parecer uma loucura, mas é algo extremamente comum hoje. Os bancos, seguradoras, hipotecários, vendem entre si os riscos de pagamentos de dívidas. No início do desenvolvimento dos mercados financeiros, os derivativos foram criados como forma de proteger os agentes econômicos (produtores ou comerciantes) contra os riscos decorrentes de flutuações de preços, durante períodos de escassez ou superprodução do produto negociado, por exemplo. Derivativo é um contrato no qual se estabelecem pagamentos futuros com base em variáveis estabelecidas.

Na crise de 2008 as instituições financeiras comercializavam entre si justamente as dívidas que passaram a ter milhões de inadimplentes. Foi aí que bancos começaram a quebrar em cadeia em várias partes do mundo. Como já dito, os derivativos são de uso comum, com operações nas Bolsas de Futuros geralmente para proteção contra variações de preços dos ativos financeiros e das commodities, além de serem regulamentados pelos governos.

A grande mancada na crise é que foram feitas operações diretamente entre os bancos e as empresas, os derivativos de balcão.  Aí é cada um por si – não há regulamentação eficiente disso até hoje no mundo. Esses derivativos de balcão são vendidos apenas com a garantia de um grande retorno futuro – autoridades e agências de classificação de risco não se metem nisso. E assim, enquanto a roda está girando e as pessoas continuam comprando, que especulador não ficaria seduzido a comprar um derivativo de balcão e ganhar muito dinheiro sem levantar uma palha? Se segure na cadeira: após a crise os países calcularam que os derivativos em geral movimentaram em 2007 um total de US$ 700 trilhões! Mais de dez vezes o que o mundo produz de bens e serviços por ano!

Pelo que li sobre o Fórum Econômico Mundial 2011 não se chegou a consenso nenhum sobre a regulação dessa farra financeira. O ministro alemão das Finanças, Wolfgang Schaeuble, e outras autoridades europeias apenas afirmaram que o pior da crise passou. Banqueiros, claro, fizeram coro, como o presidente-executivo do Barclays, Bob Diamond, e declararam que o euro segue forte. Mesmo assim, Grécia e Irlanda seguem dependentes de empréstimos e Portugal e Espanha parecem serem os próximos.

Davos e o esvaziado Fórum Social Mundial vivem fora da realidade. Não adianta criticar ou lamentar sem ter poder político ou não compreender onde estão as prioridades. Um mundo com um modo de vida alternativo e justo, como prega o FSM, só vai ser possível com isso.  Mas no curto prazo nada deve mudar, o Fórum de Davos que tem mais poder político não deve propor grandes mudanças, até porque não é interesse do capitalismo parar uma máquina de US$ 700 trilhões. Achar o meio termo, esse é o desafio que hoje parece impossível para evitar novas crises.

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